quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Nesse jogo

Vou deitar minhas certezas
e minha cabeça
na cama de ontem
e deixar que morram
e apodreçam
Acordarei disposta ao futuro
baterei às suas portas
e apostas
E até o último instante
nesse jogo, nesse lance
serei sempre
minha chance.

Flores e mais flores

Sei que quer flores
na mesa da sala
no vestido solto
nas palavras
Flores esparramadas
aos quatro cantos
sem avisos
nos sorrisos
Flores brancas
amarelas
em arranjos
Flor e você
a mais bela
dentre elas.

Só as paisagens

A vida é uma cordilheira
onde quer que andes
entre picos e vales.
E quem sabe a vida seja
os ares apenas
dessa passagem.
Mas a vida é de verdade
só as paisagens
que ficarem para sempre
presa aos nossos olhares.

Escrevo

Escrevo nas horas vagas
Todas as outras são tempo perdido.

Escrevo nas entrelinhas
O que não se lê na pauta do dia.

Escrevo as miudezas da rotina
As grandes falas cabem às heroínas.

Escrevo pra que eu não esqueça
A vida inteira é só um poema.

Escrevo em busca da essência
nesse mundo repleto
de reticências.

Era tempo de amoras

Ainda me lembro bem,
era tempo de amoras.
Aquele agosto foi embora
e você
mundo afora...
Deixou seu gosto vivo
sangue
esvaído
escorrido sem demora
das horas que repartimos
promessas e apostas.
Agora
são frutos da doce memória
pingando vermelho
que súbito afloram
sempre que vem setembro
volto e me lembro
que era tempo
de amoras.

Ipê-amarelo

Quem te coloriu assim, meu ipê
nesse incrível amarelo
que chega a ser singelo
só te chamar de belo?

Quem coloriu assim suas flores
nesse tom escandaloso
que chega a ser teimoso
te achar maravilhoso?

Quem coloriu seus contrastes
nesse tronco dormente
que chega a ser impertinente
te julgar surpreendente?

Algo me diz, meu querido ipê-amarelo
que quem te fez assim
queria curar minhas dores
e só me deixar lembrar
dos meus mais lindos amores.

Coruja

Cansada da ofuscante
clareza da rotina
dos dias previsíveis
decidi virar coruja
e vigiar as noites
com olhos duros
que não dormem.
Saber da escuridão
seus segredos
ocultados pelo medo.
Ouvir verdades distantes
da lua minguante
amor ofegante.
E serenamente
girar igual ao mundo
a cabeça soberana
à você leitor
ou à quem me chama.

Carreira

Quem quer uma carreira
escolhe o giz ou o pó
e aspira.

Um grito

No gargalo tinha um grito
que escorregou na última gota
e encheu de desespero
meu copo até a boca.

Verti num só gole o amargo
na esperança calada
que ficasse embebido
em cerimônia o tal grito.

Não ficou.

E a mistura que fazia
eu, o copo, a boca, o grito
aquele dito fatídico
de todos os fins e inícios.

Era mais do que eu podia.
Gritei.

Gritei desde a pré-história
até o universo sem memória
a cruel e total nudeza
a dor de me ter a morte
presa
e indefesa.

Os grandes

No altar das aparências
só cabiam os grandes
sucessos
os belos corpos
invólucros.
Tal altar desconhecia
a dor da impotência,
a solitária falência.
Lá só se viam os fortes,
homens de sorte
tão distantes da morte...
A mim, me deram os pés
desse altar
onde vivo caminhando
minha falha existência
com a franca insistência
de aqui viver
o que sou em essência.

Exilado

Quando o vazio é tanto
que de mim pouco sobra
até as palavras se vão.
Passo a ilha sem pontes
sou silêncio
exilado.
E vou vagando
até minhas  bordas
onde chego às cordas...
Quem sabe agora
enlaço as palavras e a vida
ou por fim desisto
enlaço a morte
e a mim.

Poesia

Poesia é o mesmo mistério
de ser feito de estrela
seu epitélio.

Passagem

Diga-se de passagem
que seu bilhete é só de ida
porque a vida
não perde a hora,
nem repete paisagem
Nesse céu tem só o agora
e o por do sol não demora
Sim, tudo aqui são imagens!
Então não faça cena
nem tenha pena...
Aproveite essa viagem
curta
diga-se de passagem

Tristeza

Tristeza é um dia encolhido
de frio e chuvisco
sem vento
sem jeito.
É beco sem saída
caminho sozinho
sem eira
nem beira.
Um grito mal dito
estreito no peito
só sombra
de mim.

Mais um café?

Passei a manhã pensando nisso
e os anos se foram
omissos
Quem sabe um café, uma tarde
retalhos de companhia, uma parte
daquela conversa sem rumo
de lembranças à deriva
Não vá dizer que não liga
que nos tornamos senhoras
de nossas próprias memórias
Alguém sabe as horas?
Mais um café, minha amiga?
Antes que anoiteça
e meu coração tudo esqueça

Poder

O poder, ah, esse vício podre
dos ratos famintos
insaciáveis
Miséria fétida dos entorpecidos
por ganância
Vai dando ânsia
o pus que exala dessa fala
falsa e pegajosa
São perigosas
as garras que avançam
e lançam feito míssil
esse vício
escorrido desse lixo humano
que só faz feder e querer
mais e mais poder.