segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Despertar

Não se desperta só pelas manhãs
quando o sol rompe o horizonte.
Desperta-se quando a luz rasga a alma
dos olhos distraídos
que viam só o estreito
desse ir vivendo
Ingênuo...
Desperta-se quando súbito se acende
um calor que só podia ser
dormente
mesmo que isso doa
Nada é à toa...
Seu coração agora enxerga noites
sentidas
que nunca mais se perdem
mesmo que o medo grite
e os olhos vis se fechem.


terça-feira, 5 de agosto de 2014

Realidade


No dia em que eu nasci
me contaram
fizeram festa as borboletas
porque eu era uma delas:
imprevisível, inquieta
impertinente, indiscreta.
Impossível saber
qual seria a verdade
se até então era tudo
escuro que me cabia
a vida que eu conhecia.
Esqueci ser borboleta?
ou estaria a caminho?
Passados e futuros
armadilhas do tempo...
Iludindo a mente tola
que cria a realidade
esquecendo que a alma
É sempre
pura e toda
possibilidade.

domingo, 3 de agosto de 2014

Quem nada



Chega uma hora em que a vida mostra
que quem de fato nos fala são as entrelinhas

que quem de fato nos ouve são as estrelas

quem se entrega e ousa, vive

Chega uma hora em que a vida mostra
que quem de fato nada 
é o mar.

sábado, 2 de agosto de 2014

Um brinde



A decisão é onda firme
quebrando nas pedras
É o arrebentar de uma ilusão,
de uma convicção que deu voltas
ganhou volume e tensão
ultrapassou o mar 
e partiu suas águas nas rochas. 

A decisão é mais que grito 
é um estrondo esparramado
um medo que bate gelado
pulverizado em dor

Mas também é água livre
um brinde ao consumado.
É água viva...
um fino branco espumante
um brinde ao adiante
um jorro de solução.




Desertos


Não tema seus tempos de deserto
a questionar suas forças
Concentrar suas dores
Esmorecer suas cores
O deserto escancara sua fraqueza
dissolve seus limites
e te põe nu.
Até que queime em dias escaldantes,
tantas incoerências
E resfrie, em noites geladas, 

as resistidas verdades
Só assim virá você a surgir

como alguém que nunca se viu
mas que aí sempre existiu.

Sou sua água

Você é meu tempo de férias
meu guarda-sol e chinelo
falta de horário e de sério,
céu aberto sem mistérios

Com você nada eu temo

posso viver sem os remos
deixar afogar meus dilemas
nas ondas desse poema

E em você eu viro cais
porto seguro e até mais
Não me leva a correnteza
sou sua água

sou sua
certeza.

Lapidar

Só tarde se compreende
a forma que firme imprimem
os cortes da vida:
desprendimentos necessários
fragmentos idos
dores da partida...

Mas era assim lapidada
sua linha bruta
em quebras duras
pra vir surgindo brilhante
seu quase todo
diamante.

Madeixas

Escrevo como quem afaga os cabelos, 
e vai dando contorno 
aos fios dos pensamentos.
Escrevo desfazendo os nós do vento,
libertando as dores
e o cansaço do tempo.
Escrevo nas linhas do brilho
das suas madeixas
o amor que não cabe nas falas
e o que as palavras não deixam.


Imprecisos

Há dias imprecisos
quando chove muito
quando choro muito
Dias de decisões borradas
de dores diluídas
tons de aquarela
Dias de longa espera
por um calor que seque
esses excessos
de dor.

Feridas do mar

No fim da praia as ondas choravam
Os segredos do mar
Os desejos de outrora
De águas caladas
Bem mais que profundas
Feridas
Do mar.

No fim da praia pranteavam
Os soluços do oceano
Do azul mais que triste
Por amores partidos
Ondas sem fim
que morriam na praia
Assim.

Quem amou

Quem nas chamas do amor
se deixou arder
soube o sentido do vento,
do mar e estrelas,
mais pura beleza.
E quem o mesmo amor perdeu
e longo chorou
soube das trevas do inferno,
da dor mais secreta,
do abismo sem fim.
Mas pleno confesso
só quem amou,
sentiu
E só quem sentiu,
Viveu.

Sonhos

Quando os sonhos se encharcarem de lágrimas
e encolherem
É tempo de pendurá-los ao sol
e deixar as dores secarem

E depois voltar a vestí-los,
repetidas vezes,
mais e mais...

Sonhos foram feitos para serem largos
números e números maiores
do que nós mesmos.

Ao meio

E no meio dessa vida
Veio soprar em meu peito
Um vento prá la de antigo
Parecido com o destino

Veio borrar meus contornos
Minhas linhas, meus planos
Apagar meus falsos
Disfarces de mim


Me entregou ao meio
daquele temido escuro
mas era justamente onde
o eterno tinha um furo...

e soprando o brilho longo
eu me tornara a brisa
do meu próprio percurso
do meu novo futuro.

Num sorriso

Se são as lágrimas que diluem a tinta e dão esse tom triste
às minhas palavras,
que meus sorrisos consigam colorí-las e o contorno dos meus lábios
possa suavemente emoldurá-las ao mundo.

Alma

Se o rastro de um barco divide o mar,
nem por isso se fez o oceano ao meio.
As partidas são ilusões da mente
que esquece a alma
inteira e permanente.

Céu da boca

Vou guardar mil anos-
luz e palavras nesse céu
da minha boca-universo
pois só uma explosão pode dizer
da minha paixão
por você.

O tempo que voa

A manhã ensolarada se foi
antes mesmo que eu acordasse.
Naquela época eu não sabia
que o tempo voava.
Veio o meio
do dia e da vida
de brilho intenso e às pressas
corri atrás das horas
antes que me escapassem.
Mas não tardou
o esparramar da noite
de olhares distantes
e longos suspiros.
E enfim, o derradeiro escuro
(Aquele tão perto do início...)
onde finalmente se pousa
nas asas do tempo
que voa.

Atrás do belo

Nesse vai e vem de ações e
contrações
sou a dor que a vida inspira
e expira
No aguardo dos encantos que virão
tenho a aflição sem descanso...
         
E se nascem flores, sorrisos
e se o sol morre em silêncio
lindo
Eu sofro e corro atrás do belo sempre
do lado de fora
E vivo da angústia que eu bem sei
gira se fim
e nada.

Cativeiro

Há dias em que meu cativeiro
é o mar.
No íntimo e louco azul
sem poder chamar, sem voltar

Guardada na mesma concha
dos segredos insanos
do imenso profundo

Lá permaneço.

Em dor mergulhada
em pranto banhada
presa das mesmas águas
do mar.

Aprender

Enquanto os coloridos forem simples
frequências de ondas.
E as pétalas forem meras
membranas protetoras.
Enquanto as flores forem óbvios
órgãos das plantas.
Vidas humanas subtrairão
vidas humanas.
E ainda faltará ao homem
aprender a enxergar
com os olhos de deus.

Te esquecer

Tratei de te esquecer na mesma gaveta
dos papéis duvidosos, dos brindes inúteis,
presentes-equívocos, documentos passados.
Das promessas desbotadas, projetos falidos,
e do perfume de tristeza, de validade vencida.
Tranquei.
A chave?
Entreguei ao tempo.

Palavras em tudo

Quem disse que eu encontraria as palavras?
Ou as criaria juntando letras apenas?
E quem as faria vivas? sinceras ou austeras?
Esses pingos de chuva chamados palavras
Ou seriam raios de sol? brilhantes, fugazes...
Palavras duras, pedras, o peso da morte
Ou pura chama, palavra que abraça e te ama!
Quem disse que eu não encontraria as palavras?
Aí estão elas, em tudo, a quem as quiser.

Seu melhor

Cresça no que tens de melhor.
Distribua tuas qualidades
ensine teus dons
esparrame sobre o mundo
teu sumo mais doce
teu perfume franco
teu sorriso de canto...
aquele que arredonda a vida
e traz tudo mais junto.
Economize apenas nos dissabores
preocupações e rancores.
Lembre-te que, desse universo,
também és estrela
e o espaço para deitar teu brilho
é o próprio infinito
que carregas dentro de ti.

Sopros e suspiros

Quando se percebe a dolorosa finitude da vida
não há mais motivo para manter o duro passo.
É tempo de esparramar as asas longas
receber cada momento num voo macio
e entregar-se aos tantos sopros do tempo
Esses profundos e delicados,
suspiros de amor.

À Rubem Alves

À Rubem Alves, em sua partida

Ai de quem canta palavras
e pinta versos coloridos
e contorna a vida
em esculturas de poesia...

Ai de quem faz das letras
a voz da emoção
Ecoa para sempre
em todo coração.

Viver agora

Não adianta correr
ao invés de viver.
Não tranque sonhos
Esqueça as chaves.
É tudo agora.
E o que não se é
o tempo devora.

Duplo vermelho

Ainda me lembro bem
daquele franco vermelho
eu diante do mar
o horizonte cortante
duplicando meu olhar
sentindo meu sol queimar
suplicando ao oceano
em seu largo abraço
mergulhar

Sem suspeita

Há pessoas, há compassos
há quem acredite em traços
Há motivos e veredictos
sem suspeitar do infinito
Debaixo dos fatos
há amor-essência
Sem tempo
Sem espaço.

Deixei

Deixei a pressa chamar
a vaidade acenar
a certeza gritar

E finalmente deixei

os remos ao mar
o corpo ao vento
a vida passar

Inconstante

Nem sempre vou ao mundo
em pleno encontro
colorido
permanente

De tempos em tempos
me vejo retiro
abismo
em espelho

Mas não me canso
de ser dessa vida
inconstante
amante

Paz

Hoje me conheci em paz.

Dizem que é a idade
me levando ao alto-mar
e deixando as ondas de dores
quebrando na praia.

Que me banhe inteira essa calma
essa cor infinita
só feita de alma.

Inverter

Era hora de inverter o sinal, o sentido.
Rodeada por um mundo que espera,  como que por direito, receber da terra e da vida sua fatia do bolo, torcendo para que seja enorme,  Maria também tinha, até então, aguardado o mesmo. Receber, ganhar, levar e, se possível, a melhor, o maior, e só! Era isso! Sem nunca ter se questionado, jamais percebera a vacuidade de sua carência, nem a inabalável certeza de que a terra e o mundo lhe devia: tudo. Assim vivia. Até aquele seu dia, de aniversário. O dia de tudo ter, de receber, por excelência...
E chegou numa caixinha a pequena, vinha trêmula das mãos do destino, para as mãos de Maria, que decidiu que a avezinha seria a filhinha que a vida, por absurdo, ainda não lhe dera. Tomou-a nas mãos sem imaginar que só a teria por segundos, sem saber que tão frágil, tão ágil, escaparia para a vida e pelo vão voaria, longe, bem acima...
Sem chance, sem alcance, sem despedida.
Antes pronta para a festa, Maria agora, triste, partida.
Era a terra ensinando que recolhe, lhe acordando para o inverso, outro sentido. Chorou. Chorou a falta de sorte e de asas.
Mas se enxergou pequena e trêmula como a ave, nas mãos do mesmo destino. Aprendeu o não ganhar. O devolver, sem nunca ter tido. Até aprender a doar. Pela primeira vez Maria se ajoelhou com a alma, sentiu o quanto a terra era próxima e a fazia pequena. E nela brotou, desse húmus de dor, uma curva de humildade que jamais lhe abandonaria. Soube para sempre o caminho de voltar-se e, em reverência, doar. Seu pedaço de humanidade, sua fatia do bolo. A que deixaria ao mundo e, esta sim, poderia ser enorme. Quem sabe um bolo inteiro, deixaria...
E entre idas e vindas, quem sabe o que viria, ave-maria, outra avezinha viria? Sem certeza, sem só saber merecer, sem a arrogância daqueles dias. Num outro dia, de aniversário.