segunda-feira, 28 de abril de 2014

Respingo


Às vezes o dia segue tão seco
e fosco
de rotina
que até me esqueço de ti,
meu mar,
de águas transparentes
quebrando em ondas
aí do outro lado
Mas a lembrança, que seja,
já respinga por aqui
num alívio fresco
de que ainda recordo
como é viver






Ai de mim...

Ai de mim se meu olhar
escorrega e adentra
o firmamento

Macio de estrelas
... espelho
onde me perco 

Tremo.

Ai de mim,
quanto descuido!...
em passear tão inocente
e ampla minha vista...

Corro de volta estreita
aos planos duros
onde finjo que vivo
sem suspeita.

Negra ausência

Sua ausência pesa em mim
mil toneladas
de lembranças acumuladas
em círculos
de chumbo.

Negra ausência que tudo tinge
me atinge
e, sem pressa, me enegrece.

Ausência toda existente
sobre mim e, sobretudo, 
presente.

Sinfonia

Somos todos  instrumentos
que a vida toca
e assim brota 
seu som, meu som,
seu tom, meu tom...

Até que alguém já nota e diz:
-Acorde!
Nos tornamos melodia
e, em conjunto,
harmonia...

E assim vamos compondo,
nós mesmos,
este universo
em infinita
sinfonia.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Ilha de amor

Há uma ilha de amor em todo peito
onde atracam barcos de dores
e de onde, coração, zarpam amores

Ilha de sangue fervente 
permanente
a derreter rochas de mágoas
e devolver o vivo magma
do encantamento

Pulsa em mim 
no peito esquerdo
e bem além
se esparramando...

Sou só a ponte, amor
por onde se derrama,
e ama
por onde você for.

Vida digital

Cada um vai publicando 
o que viu, pensou, sentiu
Assim a vida transborda
a tela rola
alguém joga
ninguém diz: -pára
informação que dispara
compartilha!
você curte
o tempo é curto, cabe tudo?
É mesmo? Assim?
Só eu sinto?

Brincadeira

Faça um pouco de onda
deixe seus pés na areia
as malas sempre prontas
a vida é uma brincadeira

A coragem

Um dia achei que a coragem 
era lutar e vencer
a subida da vida.

Medalhas conquistadas,
vitórias aplaudidas.

Estar no topo sem medo
no zênite sem sombra
de dúvida,
nada eu sabia...

Que coragem de verdade
tinha quem pleno aceitava
a descida da vida.

Errando sem se ofender
Aceitando se perder
Ir se entregando
morrer.

Humildade

A humildade é uma curva
que o tempo imprime
aos homens de sorte.

Acalmando os fortes
de dura postura. 
Amansando o olhar 
dos que vêem do alto.
Deitando os altos brados
das grandes verdades.

Uma curva suave 
um retorno à terra úmida
ao húmus do princípio
quando não havia idade.
Esta é você,
humildade.

Delgada


Nos dias nublados
sinto a vida frágil
delgada
as decisões por um fio
presas por um triz
O mundo em papel de seda
num tom cinzento
o tempo mudo
Sem choro, sem furos 
O clima tenso, suspenso...
Já não sustento
meu medo
imenso.

Quem batia?


Quem batia à minha porta
a essa altura da vida?

Quando tudo jazia riscado,
em linha reta,
estreito.

E as perspectivas deitavam,
em planos,
dormentes.

Era eu mesma a batida...

do coração lá dentro,
de onde nasce a vida,
do centro.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Entre aspas

E se me dessem outra vida,
em branco
eu copiaria sem mudanças,
o meu vivido. 
Talvez escrevesse meus erros,
em maiúsculas
pois, de fato, me fizeram maiores.
Minhas vitórias, 
seriam dedicatórias...
Afinal, quem nessa vida
ganha algo sozinho?
E o texto todo, com certeza, 
viria entre aspas,
para lembrar que sou apenas
obra
do autor maior,
do divino.

domingo, 20 de abril de 2014

Polpa

Nada é mais saboroso
do que não poder provar
qual é o nosso todo

Há um tanto, uma polpa
de pura possibilidade,
um vir a ser de cada um...

Um gosto incomparável
de ser humano,
imprevisível,
inesgotável.

Água

Eis que encontram
água líquida
em novo planeta:

Escorreu anos-luz
minha tristeza
pelas estrelas... certeza

Ruiva

Ela era o próprio outono
levando nos cabelos 
a leveza desprendida
das folhas alaranjadas

Deixando a paixão madura 
do verão partido
nos lábios vermelhos
queimados 

Ela era toda ruiva
saudades 

Morte iludida

Quando escrevo sinto a morte
distraída em sua procura
dos meus detalhes finais
aqueles que a concedam
cravar em mim o entalhe
derradeiro.

Sinto a morte perdida
em meus verdadeiros
devaneios e loucuras
ela às escuras...
enquanto viro tempo
escrevo.

Meu pesar

Repentino,
fiquei a me perguntar:
Qual o peso de uma vida?
o do que se foi?
o do que se fez?

À mostra eu não via em mim
nenhuma resposta.
Mas no fundo eu sabia
que todos tinham seu pesar...

E para pesar o viver
bastava saber
amar.

Saciedade


Tão mais simples se eu vivesse
como todos
E planos tivesse 
para amanhã
para o ano
para o futuro
E torcesse por mais tempo
para ver não sei o quê.
Mas não os tenho,
nem tão pouco tristeza
Acho que me saciei cedo, só isso.
O difícil? 
É permanecer à mesa...

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Quem passa?


Fiz um acordo com o tempo: 
cada um cuida de si!

Eu não fico ali parada,
toda hipnotizada,
olhando ele passar...

E ele não me persegue,
esquece meu passo a passo,
perde minha precisão.

Fico, assim, sendo eu mesma, 
sem a tal da impressão,
de que eu passo 
ou ele passa

Torno a vida um passatempo,
sem correção...
E logo viro eu mesma, 
de verdade, 
a diversão.

Vaidade

Quando dei por mim
a vida já era alto-mar.
Meus amigos, todos
eram grandes
e seguros navios
de vaidade.

Eu
que sempre fui dada à nauseas...

sofria de saudades
da vida miúda
da areia da praia.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Física da vida

Por que tão clássica e previsível
essa sua vida?
Assim suficiente, 
planejada,
com distância calculada
e presença determinada?

Como se não soubesse...

que os verdadeiros princípios 
são os da incerteza
onde somos tamanho vazio
e a beleza vêm em ondas
e quantas...
são as rotações que dançam 
nesse todo encantado
de pura energia 
e paixões

Timidez

O que mais gosto na lua
é a timidez
Esse jeito indireto de elegância
de permanecer sem ofender
discreta aos olhos da noite
aos amantes
Lua de ângulos 
e sorrisos de canto
Que mesmo plena e tão cheia
sabe permanecer serena
meia-luz.

Outro dia

Quando a tristeza é muita
as palavras nadam a esmo
em lágrimas
num ir e vir sem fluxo
sem correntes de sentido
São trazidas e vão tragadas
numa angústia escorregadia
Quando a tristeza é muita
melhor deixar a poesia
para outro dia.

Aqui e agora

Queria meus amigos aqui
repartir e sentir com eles
que vi, ouvi e vivi
Esse "curtir" vem e passa
são migalhas
de uma vida que falha
que crê em janelas
em telas..
E assim vivemos vidrados 
achando que a vida espera 
acordarmos antes do fim
Iludidos...
Por que não estão meus amigos 
todos agora,
aqui?