quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Mistério

Confessarei meus crimes
descerei meus níveis
te entregarei meus átomos
as ligações
toda física
da minha matéria.

Ficarei só com a alma
que faz de mim
todo mistério
que sou.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Ao sal, ao mar...


Tinha esperado esse momento. Nadava sem esforço, movido pela raiva.
Ouvir aquela frase tinha sido a gota do mar a transbordar o oceano de amargura de sua vida e que lhe dava, agora, a força física que nunca soubera ter. Nadou sem medo até não enxergar mais a praia e até não ter condição física de voltar. Os momentos de agonia vieram. Os de arrependimento não. Sem raiva agora, perdoou-se. Aceitou as dores que a vida lhe impôs e entregou, como há meses decidira, seu corpo, sua alma ali, ao sal, ao mar.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Faca

Deixemos as coisas fáceis da vida para outro momento. Minha premência era usar a tal faca da forma mais precisa possível. Afinal, depois de tantos treinos e com a mesma, enfim, devidamente afiada era hora de terminar com a tortura de permanecer colado a você. Comecei separando nossos olhos. Decidi por um golpe único e confesso que passamos a nos estranhar de imediato com a mudança de nossos ângulos de visão e a liberdade de cada um ver a vida a seu modo. Fui adiante. Outro golpe descolou nossas bocas e as opiniões divergiram assim que ganharam vozes próprias. A pele parecia desfrutar do toque da faca como uma carícia que tornava nossos corpos independentes, livres em movimentos, que agora poderiam decidir até mesmo pela união de um abraço. Em seguida a faca tentou. Mais de uma vez tentou descolar o coração que sangrando em suas batidas permanecia refratário à manobra, soberano aos desejos de minha mente. O amor nos colara sem fim, misteriosamente firme, como se soubesse de tudo, de antemão, da natureza infinita e insolúvel de que éramos, feito coração. 

Diva


Foi naquele aniversário de 30 anos que Diva viu-se inquieta e confessou a si mesma que estava decidida a entregar-se ao amor.
 No dia seguinte, sem aviso, sem dor, aquele último dente erupcionou nos seus pequenos lábios. Fora da gengiva, fora da boca, precisamente à esquerda do clitóris, despontou incisivo, uma gota de leite branco no cor de rosa de sua vagina intocada.
         Fez-se o susto, seguido de medo, de dúvida, de mais dúvida, de raiva, de pavor da própria vida. Fechou as pernas, fechou a boca, jurou segredo. O presente imóvel e inocente, entretanto, era puro desassossego aos pensamentos: pediria ajuda? Ao ginecologista que tanto evitava? A um cirurgião? Ao velho dentista da família? Não. Não se doaria a exames e estudos, jamais exporia sua intimidade. Não daria com a língua nos dentes.
Seguiu com a vida firme de poucos sorrisos, tentando extrair de seus planos, a possibilidade de amor. Mas quanto mais resistia, mais se tornava endurecida pelo segredo para sempre contido.
Foi quando o tal dente resolveu doer. No início, de leve, marcando presença. Aos poucos a dor passando a forte, intensa e finalmente ao grau cruel de uma pulpite. Diva sofreu. De dor, de indignação, de solidão. De muita solidão.
Estava dissolvida na dor quando tomou a decisão. O alicate era de unha mas agora era de dente. Arrancado de uma vez, quase um prazer. Fora de si, era vermelho, em tudo, sangue escorrendo, da vida, de Diva.